Frase da Semana

"A verdadeira perfeição do homem reside não no que o homem tem, mas no que o homem é."
Oscar Wilde

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A escritora

O Vampiro de Pirassununga



Vou contar uma história, do tempo em que eu era apenas uma menina de 10 anos, cinquenta anos atrás. Eu morava no interior, em Pirassununga. A cidade não passava de fazendas, da força aérea e da Avenida Duque de Caxias. Eu mesma morava em uma fazenda, meu pai com sua criação de vaquinhas e minha mãe transformando o leite em doce.
Sempre fui uma garota atrevida, o tipo menina-moleque. Gostava de empinar pipa, jogar bolinha de gude, andar de bicicleta e roubar fruta do pé. Sempre rodeada de meninos, meu pai não cansava de ralhar comigo. Mas não adiantava. Toda noite, eu fugia pela janela para me encontrar com o bando, pronta para aventuras noturnas e histórias de terror na roda de uma fogueira. Adorávamos contos de lobisomem, curupira, mula-sem-cabeça e de vampiro. Minhas preferidas eram as de vampiro. Preferidas, por darem tanto medo que minha barriga gelava ao pensar em um encontro com a criatura bebedora de sangue.
Uma noite, fugi pela janela, peguei minha bicicleta e segui pela trilha que conduzia ao terreno vizinho. A lua cheia no céu permitia que eu enxergasse os detalhes do terreno, até os menores besouros rondando. E como tinha besouro! O verão ia alto e o calor de Pirassununga chamava estes insetos. Brincava de esmagá-los com a roda da bicicleta, quando vi, encostada em uma árvore, uma mulher aterrorizada, olhos ansiosos, mãos tremendo.  E a sua frente, o meu maior temor, um vampiro.
Podia jurar que a criatura era um vampiro. A pele clara, o sorriso branco refletindo o luar. E se aproximava sorrateiro, fazendo um sinal de silêncio. Os pés leves não levantavam sequer uma poeira do chão.
Larguei minha bicicleta e me escondi em um arbusto. O medo me consumindo, mas superado pela curiosidade de menina, veria minha lenda viva. Devia correr, chamar o padre urgentemente para espantar a criatura sobrenatural e salvar a alma da pobre moça. Contudo, me mantive firme, aguardando pela realização das estórias, petrificada.
O vampiro, com seu olhar conquistador, hipnotizou a moça, que embebida em delírio, retirou o cabelo que cobria o pescoço, lentamente. A criatura mal segurava a vontade, a língua a rodear os lábios. As veias desnudas surgiam como um presente, as mãos rápidas rodearam a cintura da garota. Pobrezinha, olhou em volta para ver se tinha auxílio, mas não, estava solta ao destino, só eu conhecia meu esconderijo e ninguém mais me veria.
O rosto do morto-vivo se aproximou. Eu já sabia, o momento da mordida chegava, o momento da entrega, em que a alma mortal se rendia aos desígnios do predador imortal. Minha mão suava gelado, coração disparado. Os lábios do vampiro recairam sobre a vítima, desviei os olhos. Já imaginava o sangue vermelho a escorrer pelo pescoço alvo, a fome ardente saciada. Escutei o gemido da garota, misto de terror e prazer. Baixo, mas atingindo meus ouvidos em cheio, ampliado pelo silêncio da noite e pela aflição do meu espírito.
Fugi daquele lugar sem olhar para trás. Corri para o meu quarto e rezei um terço, ajoelhada na beira da cama, tentando redimir os meus pecados, a curiosidade mórbida pelo proibido. Não sai de casa por dias, fingindo uma gripe, a culpa pesada nas minhas costas. Quando voltei para a escola, forçada pela minha mãe, cruzei com a garota no caminho, a vítima do vampiro, vivinha, passeando debaixo do sol. 
Depois de muito tempo, descobri que vampiros como aquele não eram tão ruins assim. Descobri que aquela mordida valia a pena, e, muitas vezes, entreguei, eu mesma, meu pescoço.

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